quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Como Fazer uma Boa Tradução

     Uma das frases que mais me marcou quando fiz a faculdade de tradução foi a seguinte: “O tradutor tem de ser fiel ao autor”. É onde reside todo o alicerce para se traduzir. É o que eu costumo chamar de “entrar na mente do autor”.   Em primeiro lugar, o tradutor tem que entender perfeitamente o que o autor quis dizer para poder transmitir isso a outras pessoas. É como se ele fosse uma ponte entre o autor e o leitor. No caso de um manual técnico, não há essa espécie de “envolvimento” com o autor, mas, da mesma maneira, o tradutor precisa entender com toda a clareza o original.
     O ideal antes de se fazer uma tradução é ler o texto original. Quando o texto é curto, isso é possível e facilita o entendimento. Mas quando se trata, por exemplo, de um livro de 300 ou 400 páginas, não há tempo hábil, pois os prazos costumam ser apertados.
     O que faço é dar uma olhada geral no livro, descobrir o tema, calculando aproximadamente quantas páginas preciso traduzir por dia e ir me preparando para as pesquisas que terei que fazer. Não apenas em livros técnicos sobre determinados assuntos, como também em romances sempre há coisas a se pesquisar para um melhor entendimento. Num romance que se passa em outro país, geralmente é necessário pesquisar sobre a cultura, culinária, lugares típicos, tradições, etc.
     Faço minhas pesquisas no Google, mas entro em vários sites procurando aqueles que são confiáveis, como, por exemplo, sites de portais, de revistas, de instituições de ensino, etc. Acontece que existem inúmeros blogs e muitas vezes um texto idêntico aparece em vários deles e é impossível saber a fonte. Assim, vou pesquisando até encontrar o que preciso numa fonte confiável para, assim, poder estar a par da informação correta. Também ajuda olhar as imagens do Google, pois, às vezes, descobrimos que uma palavra para a qual não encontrávamos tradução é, na verdade, o nome da marca de um produto.
     Também sou da época em que não existia internet, apesar de adorar seus recursos, da época em que se pesquisava em livro de papel, em enciclopédia. Aliás, tenho uma enciclopédia que já usei muito e uma pequena coleção de livros. Sempre que surge um livro com um determinado tema que preciso entender melhor, vou até o sebo e escolho um ou dois livros em português sobre o tema que julgo adequados. (Claro que não iria até a livraria gastar muito para comprar livros para traduzir outro livro; não faria sentido.) Esses livros do sebo têm sido muito úteis como complemento das pesquisas, não tendo influenciado em nada na precisão dos temas o fato de não serem zero quilômetro; apenas ignoro a ortografia antiga, claro.
     Começo, então, a traduzir um livro no Word. Quando chego a algum ponto que precisa ser pesquisado, só paro para isso quando é algo rápido. Quando percebo que será mais demorado, para não atrapalhar o rendimento, deixo uma marca na tradução para pesquisar depois. Assim, prossigo. Como não li o livro antes, volto atrás e corrijo algum detalhe que não havia entendido bem antes. (É um luxo para quem traduziu por muitos anos com uma máquina de escrever no começo da carreira).
     Conforme a tradução prossegue, vou me aprofundando mais nas ideias e pensamentos que o autor quis transmitir. Chega o ponto em que costumo dizer para mim mesma que “peguei intimidade” com o livro. Não sei explicar, talvez seja a experiência. Nesse ponto, eu me sinto como se já o tivesse dominado e tudo vai fluindo melhor. Na verdade, costumo me “afeiçoar” a todos os livros que traduzo e procuro fazer isso da melhor maneira possível, como se fossem meus, para que fiquem exatamente da maneira que o autor pretendeu no original.
     Depois que termino de traduzir o livro, termino de pesquisar o necessário e preencho todos os trechos onde deixei as marcas. Quando a tradução está totalmente pronta é aonde chego à fase que chamo de “conferência”. Leio a tradução inteira desde o começo com atenção e vou corrigindo eventuais erros de digitação e fazendo uma ou outra alteração que acho necessárias de palavras ou trechos. Enfim, envio a tradução pronta para a editora, onde ela passará pela revisão e preparação.
    Faço todo esse processo, desde o recebimento do livro, passando pela tradução, pesquisa, conferência, até a entrega dentro do prazo que me foi estipulado. Por essa razão, como é um trabalho longo e minucioso, me esforço para administrar o tempo de acordo.
     Quando traduzo, me faço a pergunta: “Como eu diria isto em português?”, ou “Como as outras pessoas diriam isto em português?” Ou seja, não devemos fazer uma tradução literal, mas traduzir de uma maneira que o leitor entenda, que soe natural para ele. Também temos de usar uma linguagem que leve em conta o público alvo: infantil, infantojuvenil, adulta, técnica. Temos de traduzir gírias, ditados, provérbios de acordo com os nossos e fazer adaptações quando necessário.
     Uma coisa que leio ou ouço em traduções na tevê e não acho adequado (soa estranho) é quando traduzem o nome de uma personalidade ou programa estrangeiros usando nomes brasileiros que são desconhecidos para os americanos, ingleses, etc. naquele contexto. Existem muitos nomes de personalidades e programas do país de origem que são mundialmente conhecidos e poderiam ser usados na tradução.
     Outro cuidado que se deve tomar quando se traduz um romance, em geral com dois protagonistas, é evitar o uso excessivo de ele e ela. Procuro equilibrar o texto intercalando ele e ela com os nomes dos personagens e usando os pronomes pessoais lhe(s), o(s), a(s), si e a palavra “ambos” como recurso. Só tomo o cuidado de dosar tudo isso para não exagerar em nenhuma das palavras. E o mesmo se aplica às palavras e termos em geral, evitando-se repetições.
     Como enfatizei em outro texto, até melhor do que o próprio inglês (embora ele tenha de conhecê-lo a fundo), é imprescindível que o tradutor saiba português muito bem, pois é nesse idioma que apresentará o resultado final do seu trabalho.


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